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domingo, 24 de julho de 2011

A Vale sob ataque
iSTOÉ DINHEIROEDIÇÃO: 720 | Negócios | 22.JUL.11

Siderúrgicas apostam alto na mineração para melhorar os resultados
 e, mais do que obter a autossuficiência, querem disputar o mercado externo
Por Tatiana Bautzer

A Vale, segunda maior mineradora do mundo, está sendo atacada por rivais inusitados: seus próprios clientes, as siderúrgicas nacionais. As companhias investem cada vez mais em produção própria de minério de ferro, não apenas para suprir seu consumo, mas também para exportar o excedente ao aquecido mercado mundial. O movimento de verticalização, que começa a ameaçar o mercado da companhia liderada pelo executivo Murilo Ferreira, começou de maneira defensiva, há alguns anos, como reação à forte alta de preços de matéria-prima. “Os investimentos em mineração vieram para ficar”, afirma o presidente do Instituto de Aço Brasil, Marco Polo de Mello Lopes. “Em todo o mundo, serão rentáveis as siderúrgicas verticalizadas.” 
Mais recentemente, cresceram os investimentos para expandir a atividade mineradora além das necessidades de produção: são mais de R$ 22 bilhões previstos para os próximos quatro anos, pelas quatro grandes siderúrgicas que operam no País: a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a Usiminas, a Gerdau e a ArcelorMittal. A razão para a euforia em torno do minério é a alta de preços muito superior à dos produtos siderúrgicos. A tonelada de minério disparou 160% nos últimos dois anos, com o apetite chinês pela commodity. O cenário é inverso no setor siderúrgico: o laminado subiu apenas 30,9%, com a sobreoferta mundial de aço

A World Steel Association calcula que sobrem no mundo 550 milhões de toneladas de aço. “A rentabilidade com mineração é pelo menos o triplo da siderúrgica”, afirma Wilson Brumer, presidente da Usiminas. Para Luciano Borges, consultor da Adhoc e ex-secretário de Minas e Metalurgia, a tendência é mundial. “As siderúrgicas chinesas estão liderando esse movimento para tentar contrabalançar a influência das maiores mineradoras na formação de preço.” No Brasil, o modelo que todas parecem querer seguir é o da CSN, que sempre se abasteceu com suas próprias minas e hoje lucra mais com a venda do minério de ferro do que com os produtos siderúrgicos.
A empresa, que faturou R$ 14 bilhões no ano passado, pretende investir nada menos que R$ 13 bilhões para expandir a exploração de minério pelas subsidiárias Casa de Pedra e Namisa, dos atuais 26 milhões para 89 milhões de toneladas anuais. Cerca de 75% do total de minério produzido é exportado em contratos de longo prazo, principalmente para a Ásia. Outros R$ 3 bilhões serão investidos em cobre, estanho, calcário, ouro e “terras raras”, metais usados na fabricação de componentes eletroeletrônicos. “Hoje a empresa é uma mineradora, além de siderúrgica”, afirma Carlos Rangel, diretor de programação e embarques da CSN. “Os compradores querem diversificar o fornecimento concentrado na Vale.”  
A estratégia motiva a recomendação da CSN, por analistas do mercado financeiro, como investimento preferencial no setor siderúrgico. “A CSN escapa da tendência negativa para a siderurgia, com sua força em mineração”, afirma Marco Saravalli, analista da corretora Coinvalores. A diferença na rentabilidade dos dois negócios fica clara no balanço. No primeiro trimestre, a receita de siderurgia foi o dobro da de mineração:     R$ 2,3 bilhões ante R$ 1,2 bilhão, mas o lucro na mineração foi maior, de R$ 792 milhões contra R$ 693 milhões, considerando o resultado antes de juros, impostos e depreciação
 Ainda longe da autossuficiência, a Usiminas, que faturou R$ 13 bilhões no ano passado, aplicará R$ 4 bilhões para quase quadruplicar sua produção de minério, dos atuais 8 milhões de toneladas para 29 milhões de toneladas em 2015. O excedente para exportação deve chegar a 20 milhões de toneladas. Há pouco mais de uma semana, a empresa arrendou novas minas no quadrilátero ferrífero mineiro da MBL, com estoque de seis milhões de toneladas. Outro projeto é uma planta de pelotização, que exigirá investimentos de US$ 1 bilhão para produzir 7,5 milhões de toneladas. De acordo com Brumer, a Usiminas busca um parceiro estratégico para esse projeto. Embora a atividade mineradora ainda seja pequena, no primeiro trimestre rendeu mais do que a siderurgia: R$ 138 milhões ante R$ 133 milhões.
Gerdau e ArcelorMittal têm projetos de investimento mais modestos. A Gerdau, que faturou no ano passado R$ 35 bilhões, conta com produção própria de 75% do consumo de sua siderúrgica Açominas e espera ser autossuficiente em 2012, com sete milhões de toneladas. Poderá expandir para vender a produção excedente. a ArcelorMittal espera chegar a suprir  75% de suas necessidades de minério nas operações no Brasil e está investindo US$ 75 milhões numa planta de beneficiamento de minério da Mina do Andrade para produzir 1,5 milhão de toneladas anuais
Uma das vantagens da alta lucratividade é facilitar o financiamento dos projetos de mineração. A subsidiária Mineração Usiminas, criada no ano passado, recebeu um aporte de US$ 1,9 bilhão da Sumitomo Corporation, por uma participação de 30% em seu capital. “O próprio negócio gera recursos para sua expansão”, diz Brumer, da Usiminas. A CSN, por seu turno, avaliou por um bom tempo a alternativa de abertura de capital da Casa de Pedra, mas essa perspectiva não está colocada a curto prazo. O negócio atrai o interesse não apenas de investidores estratégicos, mas também de fundos de investimentos.
No entanto, com investimentos com prazo de maturação longo, as siderúrgicas não correm o risco de ser pegas no contrapé do ciclo e enfrentar uma baixa no preço do minério? As empresas afirmam esperar que os preços se mantenham em alta por cinco a dez anos. “Não enxergo a médio prazo queda de preços de minério de ferro nem de carvão”, diz Brumer. Outros analistas são mais cuidadosos e acreditam que a alta se sustenta por dois ou três anos, quando entram em produção novos projetos que podem pressionar os preços. A Vale, a grande produtora nacional, está sentindo o peso da concorrência no mercado interno, embora ainda seja pouco afetada nas exportações, que chegam a nada menos de 311 milhões de toneladas por ano.
Recentemente, por exemplo, Ferreira revelou que a participação da mineradora no mercado interno caiu de 70% para 50%, atualmente, e sua previsão é de que fique em menos de 30% em 2014. A constatação desse problema estaria na raiz da estratégia de verticalização “para cima”, da mineradora, que prevê investimentos pesados em siderurgia para fazer frente à verticalização “para baixo” dos seus clientes locais. Entre os projetos previstos estão a participação na Companhia Siderúrgica do Pecém (CSP), no Ceará, e a construção da Aços Laminados do Pará (Alpa), em Marabá
Ao contrário do que acontece com a verticalização promovida pelas siderúrgicas, o movimento da Vale está sendo visto com algum ceticismo pelos analistas, preocupados com a baixa rentabilidade de novos investimentos siderúrgicos. O consultor Luciano Borges na iniciativa a influência do governo, que pressionou pela mudança no comando da Vale. “É bem clara a intenção de fomentar a política industrial”, afirma Borges. Consultada pela DINHEIRO, a Vale não comentou o assunto.

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