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terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Saberes do campo

“Eu tinha uma situação feia, sou do Maranhão e vim pro Pará na intenção de adquirir um pedaço de terra. (...) a gente trabalha aqui sempre com a lua, porque é um planeta que mexe com a terra, a mandioca tem que ser plantada em outubro, quando a lua entra em fase de crescimento. O arroz é a mesma coisa. Aí, eles (o governo) fizeram um projeto aqui, o Pronaf, aí eu peguei um negócio de plantio de banana fora do tempo. Não deu nada. Nunca vendi um cacho. Aí eu só tenho a conta lá no banco. Esse projeto veio cair aqui já em agosto. como que planta num mês de sol como agosto? Aí eles vêm aqui, a gente não fez nada e eles dizem: por que não trabalha, preguiçoso? Eles não sabe que eles mandou um negócio fora de época. Deixa eu falar uma coisa que observei: quem deveria ser o técnico (agrícola) é quem trabalha num serviço desse aqui. Ele sabe o tempo de plantar, sabe o que tem que fazer. Quem vai só vê num papel, ele vai lá saber a hora de plantar?” O trecho acima é parte do depoimento do seu Carlito, marido de dona Baiana, moradores há 12 anos num lote de 30 hectares no assentamento 1º de Março, em São João do Araguaia. O texto integra pesquisa feita por alunos do curso de Licenciatura Plena na Educação do Campo, do Instituto Federal do Pará (IFPA), que à noite de quarta-feira (20) apresentaram seus trabalhos sobre Arte Educação e Agricultura Familiar, no campus da UEPA, na Agrópolis Amapá. Como é percebível, esse monólogo rico em inflexões aponta, com formidável concisão, alguns aspectos da agricultura no sul do Pará: alto grau de ocupação de assentamentos por maranhenses, banidos pela miséria e pela ausência da reforma agrária no seu Estado; baixa qualidade do cultivo tradicional (no braço) dos assentados, que em regra se limita à própria subsistência; sem resultado expressivo, pouco ou nada sobra dessa agricultura para chegar aos centros consumidores; falta de assistência técnica; e, por fim, a política pública imposta de cima para baixo, sem que os assentados possam ser ouvidos na discussão do que deverá ser produzido. Já o depoimento de dona Baiana, mulher do maranhense Carlito, agrega outra vertente ao contexto de uma região onde a luta pela terra sempre foi sangrenta e a apenas quatro décadas foi palco de uma guerrilha: “Assim que chegamos aqui, quando o pessoal fazia as roças, no início, chegaram a achar bota cheia de dedo de morto.”

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